DIA 19 DE ABRIL – DIA DA LUTA INDÍGENA, DIA DA LUTA DE TODES De início, devemos assumir nossa ignorância enquanto universidade que, marcada pela hegemonia do pensamento colonial, conhece pouco sobre os povos que cá habitavam antes da colonização europeia. Ao longo de todo o território nacional, seguindo a lógica moderna de ocupação de territórios a partir da cisão campo/cidade, ainda temos cerca de 300 povos indígenas que resistem e sobrevivem ao genocídio de ontem e de hoje. O que eles têm feito em sua teimosia de existir é projetar o espelho que receberam dos colonizadores no céu da sociedade que se constituiu a partir dessa violência primária. O espelho nos mostra uma sociedade assentada no projeto de vida em que a terra é um recurso que deve estar a serviço dos napëpë (os não indígenas), e se continuarmos nessa trilha, o céu cairá sobre nossas cabeças, como nos ensina o Xamã Davi Kopenawa. Historicamente os não indígenas são homens brancos que sob o baluarte da modernidade, a partir da guerra ou de instituições democráticas, vêm se apropriando do mundo, devorando suas florestas, suas riquezas, escravizando e exterminando povos, renovando a violência contra os povos tradicionais que se encontram no caminho do desenvolvimento do capitalismo. Dessa forma, a imagem que vemos nesse espelho escorre sangue pelo lastro de violência que denota. Contudo, suas lutas revelam uma cosmologia em que as vivências pluriculturais têm em comum o entendimento de que nós humanos fazemos parte da natureza, que nossa vida depende do cuidado com a terra, as florestas, as águas, o ar, e outros seres. Portanto, a natureza é fonte de alimento, de relações, de sonhos, de conhecimentos, de alegria, de cantos, celebrações, ... Trata-se de um bem comum que é fonte de vida. Vida esta que vem sendo ameaçada de muitas formas e mais recentemente pelo chamado “marco temporal” em que apenas os povos indígenas que demonstrem que estavam fisicamente ou lutando juridicamente pela posse da terra em 5 de outubro de 1988 teriam direito à mesma. Ora, esses povos são os donos da terra, que cuidam dela e a cultivam pois sabem que dela depende sua existência. Mesmo com o STF tendo determinado em 2023 que o “marco temporal” é inconstitucional, o congresso brasileiro retoma essa tese que sentencia de morte povos indígenas que não têm seus territórios demarcados, pois sem terra, não há existência. Então, devemos nos perguntar o que queremos ver nesse espelho: morte ou vida? A luta indígena não é a defesa apenas de seus povos, mas do mundo, da sociobiodiversidade em meio à crise climática. Uma luta que se alia à luta das mulheres, dos povos aquilombados por todo esse país. É sempre importante lembrar sobre o protagonismo das mulheres indígenas, inclusive no enfrentamento ao governo de Bolsonaro. Dessa forma, enquanto “fazedores” de conhecimento nas universidades, devemos trocar e aprender com essas formas de existir, de conhecer e de viver na terra, que cria uma economia a partir da convivência com as florestas, as águas e demais seres. Na perspectiva de cosmologia dos povos tradicionais, ao contrário da lógica do capital, a riqueza não é material, mas ecológica, ética, estando na saúde do solo, das águas, que nos proporcionam o alimento para sonhar e viver. Precisamos reconhecer esse conhecimento e outros tantos que compõem uma ecologia decolonial, em que o céu espelha sonhos e não violência. Na data de hoje, o mínimo que devemos fazer é nos somar ao grito: DEMARCAÇÃO JÁ! BASTA DE GENOCÍDIO! E trazer essa pauta para dentro das universidades por meio do ensino, da pesquisa, da extensão e das mobilizações em defesa da educação, como na greve que se anuncia. Para finalizar, deixamos um chamado de Ailton Krenak, nosso mais recente membro da Academia Brasileira de Letras, no documentário Pisar Suavemente na Terra de 2022 (https://www.youtube.com/watch?v=HmLzXvJ9crg&t=51s). “A gente só existe porque a Terra deixa a gente viver. Ela dá vida pra gente. Não tem outra coisa que dá vida. É por isso que a gente chama ela de mãe Terra” Suenya Santos/Departamento Interdisciplinar UFF/NEA CHAIA/ GTPAUA ADUFF Foto de Araquem Alcântara